Mil folhas
O que fazer quando sirvo um doce fino e recebo de volta uma freegels meio derretida grudada no plástico?
Talvez um dos meus maiores erros seja esperar demais de mim, do outro - e, por consequência, da vida. Que seja brilhante, que seja incrível, que eu seja vista e respeitada. Que não seja banal. Que me inspire, me ensine, que cada momento ou relação desperte algo novo em mim através dessas breves existências. E que a minha presença no universo do outro também proporcione isso. Naquela linha de deixar e receber um tanto a partir da lei natural dos encontros. Ofereço um bocado de coisas e também quero receber a minha fatia antes seguir em frente.
Em alguns casos funciona e é tudo tão maravilhoso que eu chego a duvidar que seja real e eu mereça de fato esse banquete de descobertas, carinhos e alegrias. “Aceita”, ouço mentalmente a voz da minha psicóloga falando. E taí mais um dos erros que vivo cometendo: duvidar que eu seja digna de receber afeto, e não um fardo na vida do outro.
Tá tudo muito bom, tá tudo muito bem, mas o ruim é quando bate a sensação da desproporcionalidade. Dou um exemplo: imagine que estou servindo um doce cheio de camadas, um mil folhas. Fui lá, fiz a massa folhada, que requer muita técnica, precisão e conhecimento. Combino ingredientes complexos - gosto de surpreender nesse aspecto -, uso fava de baunilha que custa um zilhão de reais (odeio artificialidades) e tô fazendo uma apresentação digna de estrelas Michelin - além de tudo, tem que ser bonito.
Porque eu quero que o mundo tenha o melhor de mim, o melhor do meu tempo, do meu corpo, da minha inteligência, da minha vontade. O problema é quando sirvo muito, vejo meu empenho reconhecido, mas acabo recebendo de volta uma bala freegels meio derretida grudada no plástico. E o pior é que às vezes isso é o máximo que a situação tem pra me dar mesmo (isso vale para relações, trabalhos e tantas outras coisas).
Meu terceiro erro: ter chupado essas balas xoxas sem reclamar durante boa parte da vida, conformada que era isso ou nada. Sei que é impossível entregar tanto o tempo todo e que a régua é alta demais até comigo mesma. A decepção e a frustração são inevitáveis, me resta aceitar que em algum momentos esses sentimentos vão aparecer.
Todavia, também é importante entender quando essa desigualdade fica insustentável. Nesses casos, o melhor a se fazer é virar as costas e cair fora.
A vida é chata, monótona e cheia de contas para pagar e sapos para engolir. O céu tá cheio de fumaça de queimadas, vivemos uma pandemia e uma enchente em menos de cinco anos e nosso tempo nesse planeta está com os dias contados. E eu continuarei servindo minhas mil folhas enquanto valer a pena.
Um dia alguém me disse que podia não ser muito, mas tinha certeza que teria um pouquinho de mim por muito tempo ainda. Era pra ser bonito. Foi apenas triste. Pouquinho é uma quantidade que não combina comigo.
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Falando em Alanis, olha só ela no Programa Livre cantando You Ougtha Know. A gente viveu isso, sabe?
Essa arte da Priscila Barbosa também é pura nostalgia e rebeldia
Esse pôster me fez ter gostosas risadas
Por hoje é isso,
Beijos,
Larissa
Me identifiquei muito, Lari 🥰